Sunday, May 11

Para acabar de vez com a pobreza extrema


É possível erradicar do planeta a pobreza extrema. Em poucos anos, com medidas simples e pouco dinheiro. As ideias do economista Jeffrey Sachs tomam forma no terreno para provar ao mundo que os Objectivos do Milénio podem mesmo ser cumpridos. Bono e Angelina Jolie têm espalhado a palavra. Em alguns pontos de África, a utopia está em marcha.
Helena Viegas

Os números têm o seu quê de ridículo. Um dólar é quanto custa uma dose diária de medicamentos retrovirais - setenta cêntimos, na moeda europeia, chegam para prolongar a vida de um doente de SIDA em África. Com dez dólares (menos de oito euros), é possível comprar uma rede mosquiteira para uma cama de criança – e com isso evitar mais uma morte por malária no Uganda. Cerca de 50 dólares (37 euros) pagam 100 quilos de fertilizante no Burkina Faso e permitem uma colheita quatro vezes maior. E chegando aos 110 dólares (82 euros), está garantida a sobrevivência anual de uma pessoa que vive em condições de pobreza extrema, melhorando as condições de saúde e educação na sua aldeia e suprindo necessidades básicas como a alimentação, energia e água potável.

O REALISMO DOS OBJECTIVOS.

Os cálculos são apresentados pela Millenium Promise Alliance, organização internacional que no terreno se tem esforçado por demonstrar que é possível cumprir os oito objectivos de desenvolvimento (link para caixa Um) estabelecidos pela Declaração do Milénio, assinada em 2000 pelos 189 Estados Membros da Assembleia Geral das Nações Unidas. Esta organização está ligada ao plano Millenium Project, projecto comissariado pelo secretário-Geral da ONU e iniciado em 2002. Jeffrey Sachs, o seu fundador, foi quem liderou a equipa de 250 peritos que entregou em 2005 um conjunto de recomendações à ONU e também subscreve o relatório publicado em 2006 pelas Nações Unidas que comprova o realismo dos objectivos. Os números não são um apelo à caridade, mas um alerta. Mostram que a luta contra a pobreza, a fome e a doença no Mundo são objectivos alcançáveis – com medidas simples e um orçamento realista: 0,5 % do rendimento dos países industrializados (Produto Interno Bruto – PIB), um total inferior ao que os Governos prometeram atingir até 2015 (0,7%).

METAS: 2015 E 2025.

Reduzir a fome e a pobreza para metade até 2015, e erradicá-las do mundo em 2025, podem parecer metas utópicas. Tanto mais quanto se sabe que 1,2 mil milhões de pessoas vivem com menos de um dólar por dia e 6,3 milhões de crianças morrem de fome todos os anos. Mas a garantia é dada não por uma qualquer Organização Não-Governamental (ONG) perigosamente optimista, mas por um reputado economista formado na universidade norte-americana de Harvard. “Milhões de pessoas morrem todos os dias pela estúpida razão de serem pobres demais para se manterem vivas… é uma situação que podemos resolver (…) A verdade é que, por menos de um por cento da riqueza do mundo, ninguém tem de morrer de pobreza no planeta. E esta é uma poderosa verdade”, garante Jeffrey David Sachs na edição de Julho da Vanity Fair, ele que é o fundador da Millenium Promisse Alliance (2005), professor de Desenvolvimento Sustentável na Universidade de Columbia, director do Earth Institute e conselheiro principal do secretário-geral das Nações Unidas.

DR. CHOQUE

Sachs tornou-se conhecido internacionalmente como “Dr. Choque”, pela disciplina e eficácia das políticas que aconselhou, como macroeconomista, aos Governos da Bolívia e da Polónia, nos anos 80. Mas a sua fé no desenvolvimento africano tem sido várias vezes posta em causa. “África precisa de acção, não de ideologia”, contra-atacou em Junho num artigo de opinião publicado na revista Fortune, onde desafia o novo presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, a consegui-lo. Jeffrey Sachs sabe que a batalha é difícil e não se fica pelos discursos e conferências sobre o assunto. No terreno, tem testado a sua teoria de que 200 mil milhões de dólares (148 mil milhões de euros) chegam para terminar com o flagelo da pobreza extrema, nomeadamente através das Millenium Villages. As 78 aldeias-piloto, espalhadas por 10 países africanos (Etiópia, Gana, Quénia, Mali, entre outros), servem de laboratório para provar ao Mundo que as populações rurais conseguem sair de situações de extrema pobreza quando lhe são dadas ferramentas para aumentar a produção agrícola e melhorar as condições energéticas, sanitárias, de saúde e educação.

ALDEIAS DO MILÉNIO – O TESTEMUNHO

Mudar a vida de um habitante dessa aldeia custa anualmente 110 dólares (82 euros), repartidos por quatro fontes de rendimento: doações (50 dólares), fundos dos Governos nacionais (30 dólares), mecenato (20 dólares) e contribuições da população local (10 dólares). As medidas propostas por Sachs não implicam infra-estruturas megalómanas. Passam por assegurar as já referidas redes mosquiteiras (embebidas em insecticida), os medicamentos retrovirais e os fertilizantes para as terras, mas também por assegurar formas de recolha de água potável, moinhos para os cereais, clínicas médicas para assistência básica, tractores e ambulâncias – que a partir de uma aldeia principal servem as restantes vizinhas.

As Millenium Villages são criadas apenas em países com Governos receptivos e em cenários de paz. A ideia é que as experiências possam abanar consciências com dados concretos, como aconteceu com o ensaio da Partners in Health (Parceiros na Saúde), uma ONG de Boston, em 2001. No Haiti rural, os especialistas estudaram cuidadosamente o efeito da distribuição de retrovirais, publicitando os resultados da sua acção – que foi um sucesso. Seis anos depois, a Millenium Promise não hesita em destacar esta iniciativa pelo consenso internacional sobre a possibilidade de controlar a doença mesmo nas zonas mais problemáticas, facilitando o acesso aos medicamentos. Mais: atribui à Partners in Health o mérito da decisão da Organização Mundial de Saúde de garantir tratamento a 3 milhões de pessoas até 2005 e a meta estabelecida pelos líderes do G8 (o grupo dos sete países mais desenvolvidos e a Rússia) de assegurar o acesso universal aos retrovirais até 2010.

VOZES FAMOSAS

Jeffrey Sachs é um dos cérebros ao serviço da batalha para fazer cumprir os objectivos do Milénio e consegue mover montanhas no meio dos negócios e das artes dos EUA. George Soros, empresário e filantropo, entregou-lhe em Setembro do ano passado 50 milhões de dólares (37 milhões de euros) para as suas acções em África. A cantora Madonna doou três milhões de dólares (2,2 milhões de euros) para financiar um orfanato no Malawi, país onde mais de um milhão de crianças perdeu o pai ou a mãe devido à SIDA. E Angelina Jolie tem-se mostrado um excelente braço direito. Ela desdobra-se em viagens ao continente africano, trazendo para as primeiras páginas dos jornais e para a televisão a realidade das Millenium Villages e sabe quanto vale a sua celebridade. Quando soube que esperava um filho, negociou com a revista People a publicação das suas primeiras fotografias grávida – exigindo um donativo para África de meio milhão de dólares (371 mil euros).

De entre os famosos envolvidos, Bono, o vocalista dos U2, é de há alguns anos a esta parte um dos mais enérgicos activistas do movimento pró-objectivos do Milénio, quer na angariação de dinheiro para o Acumen Fund, uma associação de ajuda ao micro-crédito, através de concertos, quer na propaganda através das duras e eficazes palavras dos seus discursos. “Assistimos a uma preocupação global com as alterações climáticas, o que é uma coisa muito positiva. Imaginem agora que 10 milhões de crianças iriam perder a vida no próximo ano devido ao sobreaquecimento. Seria decretado estado de emergência e não se falaria noutra coisa nos media. Bom, e na verdade 10 milhões de crianças vão morrer em 2008 por pobreza extrema e pouco se houve falar disso”, acusou Bono num artigo de opinião publicado na edição de Julho da Vanity Fair. Falava com o objectivo de promover uma das mais recentes campanhas Millenium Promise: a One Campaign – To Make Poverty History (Campanha um – Para fazer a pobreza passar à História).

A One é uma campanha que envolve várias ONG e todas as pessoas que, segundo Bono, “acreditam que estas questões da pobreza são políticas e não de caridade”. One é uma referência ao um por cento de rendimentos dos países industrializados que poderia mudar o mundo. Mais de três milhões de americanos assinaram já uma petição a exigir aos Governos que ajudem os países mais pobres, lê-se na última edição da Vanity Fair, ela própria uma revista solidária. Em Julho, a revista saiu para as bancas com 20 capas diferentes, sempre com a imagem de Bono e uma outra figura pública envolvida na luta contra a pobreza em África, da apresentadora Oprah Winfrey ao actor George Clooney, passando pelo pugilista Muhamad Ali. As fotografias têm a assinatura de Annie Liebowitz.

O actor Ben Affleck foi uma das últimas celebridades a dar a cara pela One. Ele encabeçou o grupo de pessoas que apresentou recentemente a acção One Vote One ‘08, uma mega inciativa que pretende até às eleições presidenciais (marcadas para 2008) sensibilizar candidatos republicanos e democratas e os eleitores em geral para a urgência da guerra contra a pobreza. A One Vote One ’08 foi financiada em 22 milhões de dólares (16,3 milhões de euros) pela Melissa & Bill Foundation. “Há 60 anos, o presidente Truman envolveu os recursos da América na reconstrução da Europa, porque essa era a decisão mais certa e mais inteligente. Hoje, temos a oportunidade de nos comprometermos com o fim da pobreza extrema e das doenças que podem ser prevenidas no mundo em desenvolvimento”, disse o guru da Microsoft durante o arranque da acção. O que a One propõe é um novo Plano Marshall – desta vez não para reconstruir uma Europa devastada por uma Guerra Mundial, mas para levantar um continente devastado pela fome, pela pobreza e pela doença: África.

É URGENTE.

“Morreram 150 mil pessoas no sudoeste asiático com o Tsunami. Em África morre o mesmo número de pessoas a cada 30 dias. É um tsunami todos os meses”, lembra Bono. O tom das suas frases é provocador e isso é propositado. Apesar das promessas dos Governos, o mundo ainda não percebeu que “África é uma urgência”. Os números gritam as injustiças. Vinte por cento da população mundial gasta 80% dos recursos do planeta. Uma em cada seis pessoas (1,2 mil milhões) vive em condições de pobreza extrema. Muitos países pobres gastam mais com os juros da dívida externa do que na resolução dos seus problemas sociais.

Os Estados Unidos gastam anualmente 450 mil milhões de dólares em despesas militares, mas menos de 15 mil milhões com a ajuda externa. Portugal não atingiu em 2006 a meta prevista para a ajuda pública ao desenvolvimento (0,33% do Rendimento Nacional Bruto), ficando por uns modestos 0,21%, lê-se no site da Oikos, associação portuguesa envolvida na luta contra a pobreza e no cumprimento dos Objectivos do Milénio. Foi o terceira pior prestação dos países da EU, só superada pelas da Itália e da Grécia. O montante dado por Portugal foi de 391 milhões de dólares (291 milhões de euros), menos de 50% do donativo Irlandês, país que tem metade da população portuguesa.

Fazer algo para alterar esta realidade está ao alcance de cada um. Agir passa por pressionar os Governos, passar a palavra e contribuir. No site www.milleniumpromise.org há toda a informação necessária, kits para organização de eventos de campanha e links para simbólicas doações. Qualquer cidadão, em qualquer parte do mundo, pode através da Internet, marcar a diferença. Seja assinado uma petição, encomendando uma pulseira branca campanha One ou comprando directamente uma rede mosquiteira para erguer uma barreira entre uma criança africana e os mosquitos transmissores da doença. Dez dólares é quanto custa salvar uma vida.

Caixa um:

Objectivos do Milénio
No ano 2000, os 189 Estados Membros da Assembleia Geral das Nações Unidas estabeleceram oito desafios mundiais para cumprir até 2015.O economista Jeffrey Sachs apresentou em 2005 ao secretário-Geral da ONU um plano concreto para os atingir e acrescentou uma boa notícia: é possível fazê-lo com 0,5% dos rendimentos dos países industrializados, um investimento menor do que os prometidos 0,7% em 2002 (uma número a atingir progressivamente até 2015).

1 Reduzir para metade a pobreza extrema e a fome
2 Alcançar o ensino primário universal
3 Promover a igualdade entre os sexos
4 Reduzir em dois terços a mortalidade infantil
5 Reduzir em três quartos a taxa de mortalidade materna
6 Combater o VIH/SIDA, a malária e outras doenças graves
7 Garantir a sustentabilidade ambiental
8 Criar uma parceria mundial para o desenvolvimento


Fonte

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